Quiroprática

"A Quiroprática (reconhecida em Portugal por Quiropraxia) é a terapêutica que se baseia no diagnóstico, tratamento e prevenção de distúrbios do sistema neuro-músculo-esquelético, principalmente a subluxação (conceito da quiropraxia), bem como nos efeitos destes distúrbios no estado geral de saúde e no bem-estar do individuo." (Portaria 207-D de 2014)

A quiropraxia utiliza as capacidades inerentes e recuperadoras do corpo humano, e baseia-se na relação existente entre a estrutura vertebral e o funcionamento do sistema nervoso como fator de saúde relevante, respeitando a relação entre as diferentes dimensões do ser humano na saúde e na doença. A subluxação quiroprática consiste na disfunção ou lesão vertebral em que o alinhamento, a integridade do movimento e/ou a função se consideram alterados, embora o contato das superfícies articulares esteja intacto, essencialmente como uma entidade funcional que pode influenciar a biomecânica e ter implicações neurológicas. As correções das lesões são executadas através de técnicas manuais, com ou sem recurso a utilização de instrumentos, incluindo o ajustamento da subluxação e/ou a manipulação de articulações, procurando valorizar os fatores bio-psico-sociais da pessoa, sem recorrer a medicamentos e cirurgias. 

O que é a Quiroprática?

Como surgiu a Quiroprática?

A quiroprática, também conhecida como quiropraxia, surge na mesma época da osteopatia (século XIX) com uma diferença apenas de 16 anos. A osteopatia não teve um inicio e desenvolvimento tranquilo, contudo, a história da quiropraxia se desenvolve em moldes bem mais complexos e dramáticos, onde o confronto com a medicina alopática e moderna é intensa e até mesmo dentro do seio familiar é arrevesada, até ao ponto de haver tentativas de homicídio. Enfim, um passado labiríntico, case inacreditável mas, que desponta uma nova ciência e visão do corpo humano.  

Dr. Daniel David Palmer fundador da Quiroprática

A 7 de março de 1845, em Pickering, na província de Ontário (Canadá), o casal Katherine McVay e Thomas Palmer, tem um filho chamado Daniel David Palmer. Que irá falecer 68 anos depois, vitima de sequelas de acidente. Teve formação educacional incompleta, pois começou a trabalhar cedo. Palmer desempenhou diversas atividades, tais como: apicultor, professor escolar e dono de uma mercearia, contudo o seu interesse pela saúde humana crescia envolvido nas diversas filosofias da sua época. Este aos vinte anos de idade, após terminar a Guerra da Secessão, mudou-se para os Estado Unidos da América com sua família; período em que o país sofreu um forte empobrecimento. Essa precariedade também atingiu a medicina, facilitando o estabelecimento de práticas não convencionais, como as terapias tonsoniana e magnética, além da medicina homeopática, que tinha grande presença. Durante esse período, Palmer conheceu um terapeuta magnético chamado Paul Caster (1827-1881), que tratava dos enfermos, sem usar medicamento, apenas com manipulação. Interessado nos métodos bem- sucedidos de Caster, Palmer tornou-se seu discípulo e com ele trabalhou por nove anos. Ainda nessa época, Palmer fundou o pequeno jornal The Magnetic Cure, no qual passou a divulgar suas ideias e práticas em terapia magnética. Mas, tudo indica que, enquanto isso, Palmer teria começado a estudar anatomia e fisiologia mais profundamente, assimilando novas fontes, como as provenientes da osteopatia. 

No início do século XIX, os Estados Unidos eram um lugar, em geral, pobre. Vale frisar, no entanto, que as Regiões Sul, Oeste e Centro-oeste eram as mais desfavorecidas. Não havia saneamento básico, higiene alimentícia, higiene no transporte e controle em relação aos mosquitos transmissores de doença. Com isso, uma grande quantidade de epidemias e endemias se instalaram no país. Nesse momento, a medicina convencional americana conduzia poucas formas de tratamentos, os quais causaram um impacto drástico no organismo. O paciente era clinicado através de observações dos sintomas, como o sangramento e o inchaço. Os tratamentos eram realizados através de sangria, purgativo, emético, calomelano, quinina, cantáridas, tônico, mercúrio e arsênico, todos administrados em alta dosagem, causando efeitos colaterais. Esses recursos medicinais muitas vezes falhavam, já que muitos doentes morreram de malária, disenteria, pneumonia, tuberculose, cólera, febre amarela e difteria. Logo, justificasse que os lapsos cometidos pela medicina convencional tenham dado abertura para que outras práticas médicas ficassem mais em destaque. 

Durante esse período, o conhecimento sobre as plantas na maior parte do território norte-americano, constituía-se em uma espécie de doutrina, baseada nos saberes tradicionais dos indígenas e dos homens brancos que tiveram contato com esta tradição medicinal. Ela era aplicada por várias famílias americanas, que através da utilização de livros e anotações, auto medicavam-se com plantas medicinais colhidas na região. Entre as alternativas de cura também constava a tonsoniana que foi desenvolvida por Samuel Thomson (1769-1843). Este criou um simples sistema de banhos a vapor e o uso de uma planta nativa americana que provocava vômitos. Esta prática atingiu todas as classes sociais do centro oeste e sul dos Estados Unidos. Em 1840, a tradição medicinal indígena e a tonsoniana se fundiram e formaram a escola de medicina eclética. Outra medicina muito usada no período foi a homeopática, introduzida nos Estados Unidos em 1825 pelo Dr. Hans Gram (1786-1840); seguindo os preceitos de seu criador, o médico alemão Samuel Hahnemann (1755-1843) que havia proposto uma reforma terapêutica. Como se sabe, a homeopatia buscou entender a causa da doença e não apenas curar suas consequências. Utilizou como base o vitalismo, a vibração, a potenciação, além do teste em indivíduos saudáveis.. Também considerava estar fundamentada em leis naturais, segundo as quais o semelhante cura o semelhante, e na lei centesimal, em que, quanto menor a dosagem mais potente seria o medicamento. O estudioso John Haller escreveu em seu livro The History of American Homeopathy: The Academic Years, 1820-1935 que os médicos homeopatas americanos estavam entre os mais dispostos a entender a natureza, além de muito atentos as forças sociais, científicas e filosóficas das artes da cura. Após a Guerra Civil americana, a medicina convencional, a tonsoniana e a homeopática se destacaram como as três maiores correntes médicas. Os médicos da primeira estavam em maior número em todo país; os homeopatas, fortes rivais dos médicos convencionais, eram mais numerosos ao norte dos Estados Unidos e em todas as grandes cidades, como Nova Iorque, Cleveland e Pittsburg. A prática tonsoniana, por sua vez, destacou-se nas cidades menores e nas aldeias do centro oeste americano, lugares mais carentes, desprovidos de um bom ensino. Nessas mesmas regiões floresceram escolas de medicina que, por conta de problemas de financiamento, ensinavam as práticas menos ortodoxas citadas. Este tipo de ensinamento foi caracterizado como medicina não convencional. Durante esse mesmo período, no centro oeste americano, emergiram também dois novos sistemas de cura: a osteopatia e a quiropraxia, que eram terapias manipulativas, algo que era ignorado pela medicina convencional de então. Estas técnicas utilizavam a manipulação músculo esquelética, com objetivo de aliviar a dor de uma forma natural e não tóxica. Por isso, eram capazes de aliviar as dores dos combatentes da guerra sem utilizar o recurso medicamentoso. Possuíam a mesma base filosófica: o empirismo e o vitalismo. Ademais, tanto a osteopatia quanto a quiropraxia usaram como fonte de inspiração o chamado “magnetismo animal”, introduzido por Mesmer. Daniel Palmer, no seu gabinete, atendeu doentes por vários anos utilizando-se da terapia magnética. No entanto, com o passar tempo, Palmer foi tomando consciência de que, além da energia vital, sua terapia deveria visar mais de perto as funções fisiológicas e a estrutura física do ser humano.

Segundo estudiosos, no dia 18 de setembro de 1895, Palmer fez sua primeira experiência em manipular o corpo de uma pessoa que estava surda há, aproximadamente, dezessete anos. Segue o relato encontrado no livro The Chiropractic Adjuster, compilação redigida por seu filho B.J. Palmer:

“A Quiropraxia originada em Davenport, Iowa. No ano de 1895, Dr. D.D. Palmer, que era nesse período terapeuta magnético, entrou em contato um Harley Lillard, um zelador, no prédio onde tinha seu consultório. Este homem era tão surdo que não escutava os barulhos da rua ou tic tac do relógio, pelo período de dezessete anos. A audição deste homem foi restaurada pelo Dr. Palmer, pelo ajuste da vertebra que estava fora da posição. Apesar do ajustamento ser bruto e sem conhecimento do resultado que se seguiria, Dr. Palmer foi favorecido com o fato de que o ajustamento foi feito corretamente, com um resultado favorável. Este [evento] forneceu ao Dr. D.D. Palmer a teoria de que os ossos deslocados causavam doença devido ao pinçamento dos nervos.”

Assim, Palmer começou suas experimentações com procedimentos manipulativos que passaram a focar os ossos e nervos.53 No entanto, precisava de um nome para esta arte. Ao atender um paciente chamado Weed com a arte do ajustamento vertebral, para melhorar a ciatalgia54, pediu-lhe uma sugestão quanto ao nome: “Ele simplesmente traduziu a descrição do médico de “feito pelas mãos”, em grego, e deste modo originou Quiropraxia.” Para Palmer, o corpo humano tinha um fino feixe de nervos sensitivos que passavam pelos ossos, músculos e ligamentos, que ao ser esticados, deslocados e pinçados por causa de desalinhamento ósseo, causando a doença. A melhora desse pinçamento, segundo Palmer, ocorreria através da Quiropraxia e não como uso de medicamentos propostos pelos médicos. Palmer, então, definiu a quiropraxia como a arte, a ciência e a filosofia dos seres naturais. Um sistema de ajustamento manual da coluna espinhal que tem por objetivo tratar a causa da doença. Na vasta produção histórica, sobre a ciência e a técnica do século XIX, são escassas as referências sobre a formulação da quiropraxia por Daniel David Palmer. Esse tema é mais comumente abordado em textos da prática médica quiroprática. Assim, para melhor aquilatar o que já foi feito e o, ainda muito, que há por fazer nesses estudos, elaboramos a seguir um rol dos principais autores que deram atenção, mesmo que mínima, ao nosso tema. O estudioso William G. Rothstein, em seu livro American Physicians in the 19th century descreve apenas em nota de rodapé que a quiropraxia era como um complemento da medicina. Já os historiadores da ciência Ronald L. Numbers e Judith Walzer Leavitt delineiam a quiropraxia como sendo talvez o setor médico de maior sucesso nos Estados Unidos. Tal sucesso será atribuído ao simples fato de Palmer, ao criar sua Escola, ter recebido pessoas de outros locais dos Estados Unidos para estudar esta prática. Assim, Numbers e Leavitt incluem em seu trabalho uma tabela comparativa, já bem distante dos trabalhos de D.D. Palmer, pois focada nos setores médicos de 1930 no centro oeste dos Estados Unidos. De resto, Numbers e Leavitt relatam como se iniciou a quiropraxia, considerando que esta foi um marco na vida de Palmer. Mas, para tanto, lançam mão do bem conhecido caso do zelador surdo curado por Palmer. Dessa forma, acabaram por evidenciar um lado mais pitoresco do que histórico, sobre os inícios da quiropraxia. De modo bem diferente e já dentro da área, Joseph C Keating, psicólogo e estudioso da filosofia da quiropraxia, o quiroprático Carl S. Clevelland III e o diretor da escola de osteopatia, Michael Menke, definem quiropraxia em dois momentos. Primeiramente, em torno de 1895, quando D.D. Palmer passa a considerar que a inflamação era consequência de qualquer estrutura anatômica fora de sua posição normal. Enquanto, um segundo momento, se daria em 1903, quando Palmer reduz o foco de sua teoria para as articulações da coluna vertebral. Ou seja, no momento em que passa a conceber que a vertebra, quando estava subluxada, pinçava a raiz do nervo que sai pelo forame vertebral, causando um excessivo impulso neural nas terminações nervosas e inflamação.61 Em um artigo próprio, Keating ainda acrescentou que, em 1909, Palmer teria considerado a estrutura esquelética como um regulador das tensões neurais do corpo, ou seja, os nervos esticados pelos desalinhamentos articulares conduziriam pouco impulso aos tecidos corporais, provocando a doença. Também pertencente à área, Ralph W. Stephenson, quiroprático e professor da Palmer School Chiropractic, desde 1927, define a quiropraxia como uma filosofia, arte e ciência dos aspectos naturais. Além de lembrar que se trata de um sistema de ajustamento dos segmentos da coluna feito pelas mãos para corrigir a causa da doença. Enquanto que o quiroprático Joseph Donahue fez uma comparação entre os termos que hoje usualmente adotamos na medicina e os de Palmer. Afirma, por exemplo, que o termo “Inteligência Inata”, usado por Palmer na quiropraxia filosófica, refere-se ao que atualmente chamamos de nervo involuntário ou autônomo. Outro autor também pertencente à área, Myron D. Brown, médico, quiroprático e autor do jornal The Journal of the Academy of Chiropractic Philosopher, relata em seu artigo Old dad que, para D.D. Palmer, o princípio básico da quiropraxia era a união do imaterial com o material, explicitada através do conceito de tônus. Explica ainda que, na verdade, para Palmer tônus seria a tensão natural dos nervos, expressa através da elasticidade normal, atividade, força e excitabilidade de vários órgãos. Dessa forma, a doença se estabeleceria quando ocorresse uma variação tônica em que os nervos se encontram tensos ou frouxos. Assim, é possível notar que, a maioria dos autores da área dedica-se a resgatar as ideias de D.D. Palmer, dando a estas um tom contemporâneo e nada histórico. No que diz respeito às obras de referência, um exemplo nos é oferecido pelo dicionário médico de Dorland, onde a quiropraxia foi definida como um sistema de ajustamento que consiste na palpação da coluna espinhal para corrigir a subluxação, resultando no ajustamento para aliviar a pressão do nervo no forame intervertebral. Com isso, a força do nervo flui livremente do cérebro para o corpo.66 Em outras palavras, nada se diz além do que já se sabe sobre quiropraxia e nada comenta sobre a sua história. Um pouco diferente, mas de forma breve e simplificada, Robert C. Fuller, na Enciclopédia The History of Science in the United States, relata que a quiropraxia e a osteopatia tiveram o mesmo embasamento para desenvolver suas técnicas: o mesmerismo. Ainda nessa mesma linha, o historiador Paul Boyer comenta no The Oxford Companion to United States History que, em seu início, a quiropraxia era uma seita espiritual dedicada à cura, através do ajuste intervertebral, de forma a trazer alívio ao nervo pinçado, que impediria o fluir da “Inteligência Inata”. Diferente de tudo o que foi visto até aqui, o estudioso Harris L. Coulter oferece um relato histórico curto, mas de interesse para o nosso tema, em seu livro Divided Legacy: a History of the Schism in Medical Thought, Twentieth Century Medicine: The Bacteriological Era. Brevemente, compara a osteopatia e a quiropraxia, dizendo que Still usou a estrutura musculoesquelética, enquanto Palmer teria se concentrado na coluna vertebral. De forma um tanto generalista, diz que ambos seriam filosoficamente vitalistas, empíricos e holísticos. Acrescenta ainda que essas terapias manipulativas caminhavam paralelamente à homeopatia. Além disso, busca identificar os motivos das as críticas feitas pela medicina convencional a essas duas escolas. Igualmente, busca oferecer algumas de suas possíveis fontes, embora acabe por indicar apenas grandes nomes e escolas da época, como em geral se faz em trabalhos breves. De igual maneira procede, quando discute as bases filosófico-científicas da época em relação a essas duas formulações terapêuticas. Embora sempre de forma breve, tenta também dar alguns detalhes sobre o histórico do desenvolvimento da quiropraxia, a partir de D.D. Palmer. Infelizmente, esse trabalho sucinto de Coulter, não poderia ser diferente, uma vez que formava parte de um projeto ambicioso em história da medicina, publicado em quatro volumes. De todo modo, conforme mencionado no início deste item, a literatura secundária sobre o nosso tema é escassa, quase sempre pobre e raramente oferece apoio para penetrar a obra de Palmer. Mesmo assim, esperamos que o próximo capítulo possa expressar uma tentativa inicial nessa direção. 

Dr. Palmer na arte quiroprática!

“A doença é causada pelo deslocamento vertebral ou outras pressões contra os nervos; nervos são distendidos por causa do deslocamento ósseo. A recolocação da porção deslocada do neuroesqueleto libera a tensão, consequentemente a condição que causa doenças é aliviada.” Dr. Palmer

A arte Quiroprática!

Dr. Palmer no seu escritório!

"A causa da doença está na coluna vertebral."